Tales de Mileto

Nasceu em c. 624 a.C., em Mileto, Grécia (região atualmente pertencente à Turquia). Morreu em c. 548 a.C.

Tales é considerado, na filosofia ocidental, como o primeiro físico ou investigador racional das coisas da natureza. Sua ocupação, o comércio, lhe proporcionou viagens e enriquecedores contatos com culturas diversas, entre elas a egícpcia e a babilônica.

Seus estudos teriam envolvido questões matemáticas, meteorológicas e astronômicas (Tales teria descrito a posição da constelação Ursa Menor e do grupo de estrelas Plêiades, calculado a duração exata de um ano e a ocorrência de seus equinócios e solstícios, e, mais notoriamente, previsto o eclipse do dia 28 de maio de 585 a.C. 1).

Para a filosofia, a mais famosa contribuição de Tales é a ideia de que existe um elemento originário da natureza, e este elemento seria a água — a água, portanto, seria o Arché inicial da filosofia grega, e Tales, seu primeiro propositor. Desta tentativa pioneira de explicar a natureza, segundo o consenso atual, veio a florescer a filosofia ocidental. Hegel, em Preleções sobre a História da Filosofia, elabora:

A proposição de Tales de que a água é o absoluto ou, como diziam os antigos, o princípio, é filosófica: com ela, a Filosofia começa porque, através dela, chega à consciência de que o um é a essência, o verdadeiro, o único que é em si e para si. Começa aqui um distanciar-se daquilo que é em nossa percepção sensível; um afastar-se deste ente imediato — um recuar diante dele. Os gregos consideraram o sol, as montanhas, os rios, etc., como forças autônomas, honrando-os como deuses, elevados pela fantasia a seres ativos, móveis, conscientes, dotados de vontade. Isto gera em nós a representação da pura criação pela fantasia — animação infinita e universal, figuração, sem unidade simples. Com essa proposição está aquietada a imaginação selvagem, infinitamente colorida, de Homero; este dissociar-se de uma infinidade de princípios, toda esta representação de que um objeto singular é algo que verdadeiramente subsiste para si, que é uma força para si, autônoma e acima das outras, é sobressumida e assim está posto que só há um universal, o universal ser em si e para si, a intuição simples e sem fantasia, o pensamento de que apenas um é. Este universal está, ao mesmo tempo, em relação com o singular, com a aparição, com a existência do mundo. 2

Nietzsche em A Filosofia na Época Trágica dos Gregos:

A filosofia grega parece começar com uma ideia absurda, com a proposição: a água é a origem e a matriz de todas as coisas. Será mesmo necessário deter-nos nela e levá-la a sério? Sim, e por três razões: em primeiro lugar, porque essa proposição enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque faz sem imagem e fabulação; e enfim, em terceiro lugar, porque nela, embora apenas em estado de crisálida, está contido o pensamento: “Tudo é um”. A razão citada em primeiro lugar deixa Tales ainda em comunidade com os religiosos e supersticiosos, a segunda o tira dessa sociedade e no-lo mostra como investigador da natureza, mas, em virtude da terceira, Tales se torna o primeiro filósofo grego. Se tivesse dito: “Da água provém a terra”, teríamos apenas uma hipótese científica, falsa, mas dificilmente refutável. Mas ele foi além do científico. Ao expor essa representação de unidade através da hipótese da água, Tales não superou o estágio inferior das noções físicas da época, mas, no máximo, saltou por sobre ele. As parcas e desordenadas observações da natureza empírica que Tales havia feito sobre a presença e as transformações da água, ou mais exatamente, do úmido, seriam o que menos permitiria ou mesmo aconselharia tão monstruosa generalização; o que o impeliu a esta foi um postulado metafísico, uma crença que tem sua origem em uma intuição mística e que encontramos em todos os filósofos, ao lado dos esforços sempre renovados para exprimi-la melhor — a proposição: “Tudo é um”.

É notável a violência tirânica com que essa crença trata toda a empiria: exatamente em Tales se pode aprender como procedeu a filosofia, em todos os tempos, quando queria elevar-se a seu alvo magicamente atraente, transpondo as cercas da experiência. Sobre leves esteios, ela salta para diante: a esperança e o pressentimento põem asas em seus pés. Pesadamente, o entendimento calculador arqueja em seu encalço e busca esteios melhores para também alcançar aquele alvo sedutor, ao qual sua companheira mais divina já chegou. Dir-se-ia ver dois andarilhos diante de um regato selvagem, que corre rodopiando pedras; o primeiro, com pés ligeiros, salta por sobre ele, usando as pedras e apoiando-se nelas para lançar-se mais adiante, ainda que, atrás dele, afundem bruscamente nas profundezas. O outro, a todo instante, detém-se desamparado, precisa antes construir fundamentos que sustentem seu passo pesado e cauteloso; por vezes isso não dá resultado e, então, não há deus que possa auxiliá-lo a transpor o regato. 3

Footnotes

  1. O historiador Heródoto conta que neste dia ocorria a Batalha do Hális, que acabou ficando conhecida também como a Batalha do Elipse. Ainda de acordo com Heródoto, o confronto entre medos e lídios foi interrompido quando o dia, por conta do eclipse, escureceu subitamente e assustou guerreiros de ambos os lados. O escritor Isaac Asimov descreve esta batalha como o mais antigo evento histórico cuja data precisa é conhecida, justamente por conta da previsão do eclipse feita por Tales. Tal previsão, para Asimov, marca o nascimento da ciência.

  2. Transcrito a partir do livro Os Pensadores, Vol. I - Os Pré-socráticos (Editora Abril - 1ª edição, agosto de 1973), página 15. Tradução de Ernildo Stein.

  3. Transcrito a partir do livro Os Pensadores, Vol. I - Os Pré-socráticos (Editora Abril - 1ª edição, agosto de 1973), páginas 16 e 17. Tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho.

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